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o seu DOM! :D

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Batalha "Sangrenta"


“Ao longe, observo uma batalha sangrenta. Dois exércitos. Dois batalhões. Soldados, muitos soldados. Perdem-se nos corpos uns dos outros. Uns caem por terra, outros fogem e desistem da batalha. Outros ainda correm, correm e nunca desistem. Escondo-me atrás de um ramo de uma árvore que não consigo identificar. Nunca a vi anteriormente. Permaneço quieta, sossegada, no entanto estupefacta.

O batalhão aproxima-se para o meu lado. Não sinto medo, pavor ou qualquer tipo de receio.

Com a aproximação percebo tratar-se de uma “rara” batalha. Nunca antes vira nada semelhante.

Existem dois batalhões distintos. Um deles parece aos meus olhos completamente normal. Relembra aqueles filmes antigos, onde o capacete, a espada, o escudo estão presentes. Lutam, defendem-se. Andam a cavalo. Cavalos brancos na maioria. Cavalgam e tentam ganhar a batalha. Fintam o outro batalhão. Conseguem derrubar com facilidade, porém por vezes os cavalos tropeçam e acabam por cair.

O outro batalhão é estranho. Vestem vestes brancas, são na maioria homens fortes, bonitos, com corpo musculado e bem definido. Não possuem armas: capacete, escudo ou espada. Não possuem nada. É o espírito, a alma que os move. Lutam com as próprias mãos. Não sangram, não sofrem ferimentos externos.

Estupefacta, inquieto-me. É algo magnífico. Nunca antes observei tal legião. Quem são estes homens? Que espécies de pessoas são estas que não são atingidos pelas espadas? Parece que perfuram o corpo, no entanto, aquando a retirada da espada pelos outros soldados, parece-me um jogo de ficção. Dá a sensação de serem feitos de um material resistente, duradouro. Talvez borracha, não sei.

Movimento-me…saio do sítio onde me encontro e procuro um sítio mais estratégico para poder observar tudo de mais perto. Preciso de ver, de perceber, de matar a curiosidade que neste momento me mata.

Percorro a floresta onde me encontro. É numa colina. Eles estão lá ao fundo na planície. É uma planície enorme. Está repleta de soldados. Quase não se vê o verde do chão.

Oiço o barulho das folhas a cada passo meu…Corro e o som dessas folhas entra-me agora pelos ouvidos. É mais intenso. É a minha procura. O som que oiço é uma dessas provas.

De repente, páro! Encontro um espaço confortável que me permite observar tudo de uma forma mais próxima.

Olho fixamente para todo aquele cenário. Que tipo de batalha é esta? Será que lutam por um estado, por um território, por um campo de trigo, por uma colheita de alimentos? Não sei! É um batalhão estranho. Não falam. Não gritam. Não desesperam. Ouve-se apenas o barulho do batalhão que está devidamente equipado com “armamento”.

A estranheza entranha-se em mim. Enxergo os olhos, belisco-me…será que tudo isto é real? Mas, sinto dor, após o beliscamento.

É real. Pálpavel. Enxergável.

Dou um salto! Alguém me toca. Um soldado! Assusto-me e tento fugir…tremo, tremo muito. Ele agarra-me! E eu…com todas as minhas forças tento retirar a mão deles dos meus braços. Não consigo. Sinto um medo aterrador. O meu coração estremece induzindo o meu corpo a tremer agora ao mesmo compasso.

-Não tenha medo! – Exclamou-me.
-Eu estava mesmo de saída. Vim á procura de uns frutos silvestres que costumam existir nesta colina. – Desculpo-me numa voz trémula.
-Não tem que se desculpar. Pode ficar, se quiseres. É uma batalha silenciosa. – Disse-me.
-Já percebi. – Respondi-lhe agora mais calma.

A sua veste branca. O seu olhar meigo e sincero, o timbre da sua voz, o calor da mão dele transmitiu-me paz, segurança, coragem. Perdi instantaneamente o medo. Inexplicavelmente estou serena. Olho-o nos olhos e consigo sentir-me segura.

-Estás mais calma? – Perguntou-me.

-Sim, muito mais calma. – Retorqui. – Mas do que se…

-Não precisas de perguntar. Sei o que te inquieta. É uma batalha sem palavras, sem gritos, sem confusão externa, não é?

-Sim, e tu? Os teus amigos não sangram aquando atingidos pelas espadas? Nunca vi nada igual. – Desabafei.

-É verdade. É uma batalha que existe em milhões de sítios no mundo. Poucas foram as pessoas que a viram. – Disse-me.

-Explica-me! Lutam pelo quê? – Perguntei-lhe.

-É o amor e a razão. – Respondeu-me.

-O amor e a razão? O amor de amar e a razão de pensar? – Questionei-o.

-Sim! Eu, nós os das vestes brancas somos o batalhão do amor. Eles, os armados, com espada e capacete são o batalhão da razão.

-O amor e a razão também lutam? Pensava que nunca se envolviam neste tipo de confrontos. – Disse-lhe.

-Enganaste! Esta planície, e quase todas as que existem no mundo estão cheias deste tipo de soldados. Lutam dia-a-dia, incessantemente.

-E nunca param de lutar? – Disse-lhe com um ar de tamanha admiração.

-Sim, param quando encontram respostas nos nossos olhares. Eles surpreendem-se com os nossos poderes surreais de não sangrarmos, de não trazermos nada, senão o coração. Revoltam-se connosco. Irritam-se constantemente. Mas, nunca nos questionaram em batalha nenhuma.

-A sério? E por norma, quem saí vencedor? – Perguntei.

-Por norma somos sempre nós. – Sorriu-me de orgulho.

-Mas como? - Perguntei. – É impossível, vocês não possuem qualquer tipo de defesas.

- Hummm, pareces-me demasiado lógica. Nem sempre tudo segue o mesmo “percurso” ou acaba da mesma forma. Na verdade, eles caem por terra de tanto cansaço. Transpiram e acabam por ficar desidratados, descompensados, pálidos.

-Mas porquê? – Perguntei.

-Porque o amor é o vector do mundo. O amor quando é verdadeiro luta silenciosamente contra todo o tipo de armamento que eles possam trazer com eles. O amor conquista tudo à sua volta. O amor, o amor, o amor…o amor é algo maravilhoso, minha amiga. – Disse-me sorrindo-me!

Esbocei um sorriso. Apertei-lhe a mão e senti a sua vibração. Os formigueiros entranharam-se em mim. De repente, consegui senti-los a percorrerem todo o meu corpo. Achei toda aquela história real, simplesmente formidável. Tudo parecia transcendental. Mas, havia algo que eu não percebia. Quando é que aquela guerra terminaria, ou quando chegariam a um consenso?

Imediatamente ele interrompeu-me os meus pensamentos.

-Amiga, mas também morremos. Fui eliminado. Por isso estou aqui contigo. Por isso partilho a minha história contigo. – Disse-me emocionado e com as lágrimas a caírem-lhe pelo rosto.

-Morreste? – Disse-lhe apertando-lhe a mão. – Mas como? Continuas vivo. Sinto o calor do teu corpo. O sangue continua a correr-te pelas veias!

-A razão venceu-me! A razão ganhou-me! A razão atingiu-me! A razão derrubou-me! – disse-me chorando compulsivamente.

-Então, mas não conseguiste ganhar porquê? – Retorqui-lhe.

-Porque nestas batalhas quem ganha é sempre o mais forte. – Disse-me soluçando.

-O mais forte? – Já não aguentava tamanha curiosidade. Eram perguntas e respostas que me inquietavam, a cada palavra proferida.

-Sim, o mais forte. Se nós não formos alimentados de “mantimentos especiais” perdemos e somos excluídos do campo de batalha, e aí quem ganha é sempre a razão. – Explicou-me ele mais calmamente.

-Mas…de que te alimentas? – Perguntei-lhe curiosamente.

- De muitas coisas! Dos “alimentos especiais”, posso dizer que se tratam de agradáveis conversas, de cumplicidades, de partilha de momentos, de fazer aquilo que realmente nos faz sentir fortes e invencíveis. Pode até não ser nada de extravagante, de exuberante. É também da simplicidade que lutamos. De um passeio pela areia duma praia, de uma conversa num banco de jardim, de um abraço, de uma carícia, de um beijo. De um olhar profundo ou até de um piscar de olho…

-Tanta coisa? Consegues alguém que te porpocione todo esse tipo de mantimentos? – Perguntei-lhe apertando-lhe a mão.

-Não consegui desta vez. – Disse-me soluçando. As lágrimas corriam-lhe pelo rosto…Senti pena. Senti vontade de ajudar, até senti vontade de amar…! - Morri…a razão ganhou-me. É impossível! Tanto mantimento que ingeri e de repente acabo sendo vencido. Não vou aguentar a ausência de alimento. Vou acabar desfalecendo…

Fiquei perplexa com todas as palavras que ele me acabara de proferir. Não sabia mais o que dizer para o manter bem-disposto. Senti vontade de o agarrar ao colo e de o levar para um sitio bem longe. Ficámos ali horas a conversar…ele arrefeceu vezes sem conta, esfriou, ficou pálido, descompensado, com febre e muitas outras complicações. A partir daquele dia, passei a visitá-lo todos os dias…passei a tentar dar-lhe os mantimentos especiais. O tempo tem passado…eu nunca encontrei os tais frutos silvestres que me levaram naquela tarde àquela colina, no entanto, de cada vez que regresso, encontro um homem diferente...

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